27 de ago. de 2012

SAÚDE / Dever do Estado de Fornecer a Medicação




por Pedro Luso de Carvalho


O venerando Acórdão que segue, proferido pela egrégia Vigésima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, que teve como Relator o seu presidente, Des. Armindo José Abreu Lima da Rosa, julgou, em 31 de agosto de 2011, a Apelação Cível nº 70043695832, da Comarca de Tupanciretã, tendo como apelantes esse Município e o Estado do Rio Grande do Sul e como apelado Olinto Paiva Alves, dando à Prefeitura provimento parcial  no seu recurso e negando provimento à apelação do Estado.
  
Como se verá adiante, O Estado do Rio Grande do Sul sustenta a sua ilegitimidade passiva, por não constar na lista do SUS o medicamente solicitado pelo autor-apelado, fato que no entender desse apelante inviabiliza o fornecimento  dos remédios pleiteados. Mais ainda, o Estado alega que a parte autora deve demonstrar a sua impossibilidade de adquirir tais remédios. Daí a sua postulação pelo não provimento do recurso.
  
Quanto ao recurso de apelação do Município de Tupanciretã, foi, como já referido acima, improvido em parte, já que "a ação foi proposta após a vigência da Lei Estadual nº 13.471/10, alterando a redação do art. 11, caput, da Lei Estadual nº 8.121/85, conferindo isenção quanto a custas, despesas e emolumentos, inclusive aos Municípios, há de se excluir a condenação do apelante quanto a tais verbas."
  
Segue na íntegra o Acórdão proferido pela Vigésima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

[ementa] PROCESSUAL CIVIL. DILAÇÃO PROBATÓRIA. DESNECESSIDADE. QUESTÕES DE DIREITO.

Constando dos autos convincente prova quanto ao quadro de hipossuficiência da parte autora e a medicação de que necessita, não se compreende a necessidade de dilação probatória no caso concreto.

Constitucional. direito à saúde. fornecimento de medicamentos. LEGITIMIDADE PASSIVA. responsabilidade solidária de todos os entes da federação. artigos 23, II e 196, constituição federal. Precedentes. IRRELEVÂNCIA DE O MEDICAMENTO NÃO ESTAR PREVISTO EM LISTA. JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA.
De acordo com firme orientação do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, o direito à saúde é dever do Estado, lato sensu considerado, a ser garantido modo indistinto por todos os entes da federação – União, Estados, Distrito Federal e Municípios –, forte nos artigos 23, II e 196 da Constituição Federal, sendo irrelevante, no mais, a circunstância do fármaco não integrar a lista dos medicamentos básicos, excepcionais ou especiais.

CONDIÇÃO ECONÔMICA. PARTE AUTORA. DEVER DE ASSISTÊNCIA. FAMÍLIA.
O fato de a parte autora vir a juízo pleitear o fornecimento de medicamento, gera presunção quanto à necessidade da medicação e impossibilidade financeira de sua aquisição, caso em que tais circunstâncias restaram devidamente comprovadas nos autos e reforçadas pela concessão do benefício da gratuidade de justiça.

O dever de assistência da família não afasta a responsabilidade do Estado de assegurar a efetividade do direito à saúde, consagrado no texto constitucional, notadamente quando a prova dos autos não permite conclusão em sentido diverso.
MEDICAÇÃO. EMPREGO DO NOME COMERCIAL. LEI N. 9.787/99.
Resta evidente ser o emprego do nome comercial, seja pela parte autora, seja em decisão judicial, mera irregularidade, cabendo ao Ente Público guiar-se pelo fornecimento do medicamento genérico e não aquele fornecido por determinada empresa.
bloqueio de valores. possibilidade.
É legal, na forma do art. 461, § 5º, do CPC, a determinação judicial de bloqueio de valores que guardem correlação aos valores necessários ao custeio do tratamento, não havendo qualquer violação ao comando contido no art. 100, da CF/88, devendo ser levada em consideração a garantia constitucional do direito à vida insculpida no art. 196 da Carta Magna.
MUNICÍPIO E CUSTAS PROCESSUAIS. ART. 11, caput, REGIMENTO DE CUSTAS (LEI ESTADUAL Nº 8.121/85). AÇÃO POSTERIOR À LEI ESTADUAL Nº 13.471/10.
Tendo sido proposta a ação após a vigência da Lei Estadual nº 13.471/10, alterando a redação do art. 11, caput, da Lei Estadual nº 8.121/85, conferindo isenção quanto a custas, despesas e emolumentos, inclusive aos Municípios, há de se excluir a condenação do apelante quanto a tais verbas.
ACÓRDÃO-Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em prover, em parte, a apelação do Município e desprover a apelação do Estado do Rio Grande do Sul. Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Francisco José Moesch e Des. Genaro José Baroni Borges.  Porto Alegre, 31 de agosto de 2011. DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, Presidente e Relator.

 RELATÓRIO-Des. Arminio José Abreu Lima da Rosa (PRESIDENTE E RELATOR) – Trata-se de recursos de apelação interpostos por ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e MUNICÍPIO DE TUPANCIRETÃ nos autos da ação ordinária promovida por OLINTO PAIVA ALVES, postulando pela reforma da r. decisão de fls. 96/105, que julgou procedente o pedido.

Nas razões recursais, sustenta o primeiro apelante ser parte passiva ilegítima para a causa, pois o medicamento solicitado não consta na lista do SUS, elaborada pelo Ministério da Saúde (Portaria GM-MS nº 2981/09, que regula o fornecimento no âmbito do Sistema Único de Saúde, razão pela qual, deve ser extinto o feito, na forma do art. 267, VI, CPC. Aduz da necessidade de ser observada a Denominação Comum Brasileira, na forma da Lei nº 9.787/99, para aquisição de medicamentos. Refere da necessidade da parte autora demonstrar sua falta de recurso para aquisição do fármaco necessário ao seu tratamento. Argumenta estar isento do pagamento de custas processuais.   Postula pelo provimento do recurso.

Por sua vez, em suas razões de apelação, o segundo apelante, preliminarmente, sustenta ter ocorrido cerceamento de defesa no caso concreto, pois foi requerida a produção de prova acerca da condição econômica do autor e tal não foi deferida pelo juízo de primeiro grau. No mérito, sustenta da sua ilegitimidade passiva para a causa, tendo em vista que o fármaco postulado não faz parte de nenhuma lista de medicamentos elaborada pelo Ministério da Saúde para distribuição no âmbito do SUS, e de e acordo com a legislação do SUS, cada ente cumpre funções e competências específicas e articuladas entre si, caracterizando os três níveis de gestão. Argumenta que o dever de prestar assistência à saúde, na forma dos arts, 23, II, e 198, da CF/88, é compartilhado entre os Municípios, os Estados e a União. Assevera que não se deve falar em solidariedade no caso concreto, pois os medicamentos solicitados não constam em nenhuma lista do SUS, e na forma dos arts. 11, XI, e 16, X e XVIII, da Lei nº 8.080/90, compete à União, como diretora nacional do SUS, a inserção de novas tecnologias do SUS. Argumenta da necessidade de observação da Denominação Comum Brasileira no caso concreto. Aduz da impossibilidade quanto ao bloqueio de valores em suas contas. Postula pelo provimento do recurso.

Em suas contrarrazões recursais, tanto em relação ao recurso do Município quanto ao apelo do Estado, o apelado pugna pela manutenção da r. decisão recorrida.

Neste grau de jurisdição, a Douta Procuradora de Justiça opina pelo conhecimento, rejeição das preliminares, e desprovimento dos recursos. Vieram-me conclusos os autos.  É o relatório.

VOTOS- DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE E RELATOR) – Por primeiro, improcede a alegação de cerceamento de defesa, face o julgamento antecipado da lide e a ausência de dilação probatória.

Em realidade, verifica-se que o Estado, na defesa apresentada, requereu a produção de todo gênero de prova em direito admitido, e a expedição de ofício ao CRI, DETRAN e à Delegacia da Receita Federal, solicitando cópia das últimas 05 declarações de bens e renda da parte autora, a fim de verificar-se a  sua real condição financeira (fl. 74).
  
Com efeito, no que importa, padece a autora de patologia classificada na CID 10 K57.9, necessitando fazer uso contínuo medicamento LONIUM 40mg (BROMETO DE OTILÔNIO), prescrita no atestado e receituário firmado Dr. Luis Filipe Pippi, CREMERS nº 28750, (fl.16), tendo comprovado a insuficiência de recursos para sua aquisição, através da declaração de pobreza, e ser assistido pela Defensoria Pública, que sabidamente só atende pessoas carentes diante de comprovação quanto as suas condições financeiras (fl. 12).

Aliás, o atestado e receituário fornecido pelo médico assistente é proveniente da Secretaria Municipal da Saúde de Tupanciretã, responsável pelo atendimento dos pacientes oriundos do Sistema Único de Saúde. 

O cotejo desses elementos evidencia a hipossuficiência econômica para aquisição do medicamento pleiteado, sendo suficiente para comprovação da enfermidade, assim como quanto à sua necessidade, mais não se podendo exigir em termos de demonstração do direito.

Não bastasse tal, envereda a contestação a questionar a responsabilidade pelo fornecimento de medicamentos, ou seja, bate-se na tecla de não caber ao Estado o seu fornecimento. Temática, pois, puramente de direito (fls. 68 a 74).

Outrossim, a questão relativa à responsabilidade dos entes federados pelo fornecimento de medicamentos ou insumos envolve discussão de matéria unicamente de direito, a permitir, por conseguinte, o julgamento antecipado da lide, na forma do art. 330, I, CPC. Neste sentido, posiciona-se a jurisprudência deste Tribunal: ACRN nº 70033983461, Rel. Genaro José Baroni Borges, j. em 24.02.2010; AC nº 70032753774, Rel. Luiz Felipe Silveira Difini, j. em 02.12.2009; AC nº 70031697634, Rel. Rogério Gesta Leal, j. em 26.11.2009.

De resto, cumpre anotar ser o juiz o destinatário da prova, nos termos do artigo 130, CPC, cabendo a ele avaliar a necessidade ou não de uma maior instrução do processo.

Não há, pois, cogitar da ocorrência de cerceamento de defesa.

No mais, examino os apelos, relegando a apreciação do tema prefacial relativo à legitimação passiva para exame conjunto com o mérito.

Do atestado médico coligido através do médico, Dr. Luis Filipe Pippi, CREMERS nº 28750, fl. 16, constata-se que a parte apelada é portador de patologia classificada na CID 10 K57.9, necessitando fazer uso continuado do medicamento LONIUM 40mg (BROMETO DE OTILÔNIO).

É firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhecendo o dever do Estado, lato sensu considerado, ou seja, modo indistinto por todos os seus entes federados – União, Estados, Distrito Federal e Municípios –, de assegurar o direito à saúde, na forma dos artigos 23, II e 196, ambos da Constituição Federal.

Neste sentido: RE nº 557.548/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe 155, publicado em 05.12.2007.

Por pertinente, reproduzo trecho da aludida decisão monocrática, in litteris:

(...)

“Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organização federativa.

“A impostergabilidade da efetivação desse dever constitucional desautoriza o acolhimento do pleito recursal ora deduzido na presente causa.

“Tal como pude enfatizar, em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246/SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput", e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.

“Cumpre não perder de perspectiva que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar.
“O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, "Comentários à Constituição de 1988", vol. VIII/4332-4334, item n. 181, 1993, Forense Universitária) – não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
“Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas - preventivas e de recuperação -, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República.
“O sentido de fundamentalidade do direito à saúde - que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas - impõe ao Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional.
“Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais - que traduz estágio necessário ao processo de sua afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua eficácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Poder Constituinte e Poder Popular", p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) -, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculado à realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria Constituição.
“Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito - como o direito à saúde - se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional.
“Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante.”
Nesta mesma linha, acrescento ainda os seguintes precedentes: RE 195192/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO; RE 242859/RS, Rel. Min. ILMAR GALVÃO; e RE 255627 AgR/RS, Rel. Min. NELSON JOBIM.

Do que também não discrepa a orientação do Superior Tribunal de Justiça, inclusive admitindo o bloqueio de verbas públicas, com vistas a conferir efetividade à proteção ao direito à saúde: AgRg no Ag n. 1.044.354/RS, LUIZ FUX; AgRg no Ag 961677/SC, ELIANA CALMON; REsp n. 1.058.836/RS, MAURO CAMPBELL MARQUES; AgRg no REsp n. 1.033.825/RS, HERMAN BENJAMIN.

Entendimento que prevalece também no âmbito deste Tribunal de Justiça: AC nº 70033709759, Rel. MARCO AURÉLIO HEINZ, DJ 18.02.2010; AC nº 70033641655, Rel. FRANCISCO JOSÉ MOESCH, DJ 10.02.2010; AI nº 70034595322, Rel. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANÍBAL, DJ 19.02.2010; AI nº 70034467092, Rel. LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI, DJ 19.02.2010; AC nº 70031394497, Rel.ª SANDRA BRISOLARA MEDEIROS, DJ 25.02.2010.

Assim compreendida a questão, cumpre anotar que não se pode opor ao cidadão carente a insuficiência de recursos para a aquisição dos medicamentos ou, em homenagem a uma disciplina infraconstitucional ou administrativa, a existência de responsabilidades compartimentadas, de modo a restringir a contribuição de cada um dos partícipes do sistema. Todos são igual e independentemente responsáveis. Como se dará a compensação, entre Municípios, Estados e União, dos recursos que um tenha que despender a mais do que o outro, é tarefa de inter-regulação que somente a eles e entre eles dirá respeito, de forma a acomodar as eventuais disparidades ou episódicas onerações excessivas de um determinado ente, mas, sempre, sem repercutir na população que precisa do serviço.

Tampouco se pode exigir que se submeta a parte hipossuficiente a contemplar este debate em um processo que contra qualquer um deles promova, relegando o problema prioritário a ser solucionado que é o do pronto atendimento.

Especificamente quanto ao dever de os entes federados fornecerem medicamentos, ainda que não previstos em lista, colaciono os seguintes julgados: AC nº 70034640227, Rel. RUI PORTANOVA, j. em 11.03.2010; AI nº 70032910259, Rel. FRANCISCO JOSÉ MOESCH, j. em 10.03.2010; e AI nº 70033574880, Rel. Sandra Brisolara Medeiros, j. em 30.11.2009.

Desse modo, irrelevante o fato de o medicamento postulado ser classificado como básico, especial ou excepcional, ou não integrar as listas dos entes públicos (AI n.º 70031086341, Rel. SANDRA BRISOLARA MEDEIROS, AC n.º 70036628758, Rel. CLAUDIR FIDELIS FACCENDA).

A evidenciar a legitimidade do Município e do Estado para figurar no polo passivo da demanda.

No tocante à alegação de a parte autora ter condições econômicas para adquirir os medicamentos pleiteados, não calha o argumento.

O fato de a parte postular em juízo o fornecimento de medicamento, aliado à concessão do benefício da gratuidade pelo juízo de 1º grau (fl. 26), bem dá sinais da sua real condição econômico-financeira, além de ser assistido pela Defensoria Pública, que como é sabido, realiza uma triagem para atendimento, só representando pessoas realmente hipossuficientes e sem condições de arcar com os custos do processo, sem prejuízo do seu sustento ou de sua família.

Acrescento, ainda, que o dever de assistência da família, não afasta a obrigação do Estado, lato sensu considerado, de assegurar a efetividade do direito à saúde, consagrado no texto constitucional.

Nesta linha, colaciono o seguinte precedente:

DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SERVIÇOS DE SAÚDE. PESSOA CARENTE DE RECURSOS E PORTADORA DE HIPERTENSÃO ESSENCIAL E OBESIDADE MÓRBIDA. PLEITO DE REALIZAÇÃO DE CIRURGIA E CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES PÚBLICOS. ASSISTÊNCIA FAMILIAR QUE DEVE SER INTERPRETADA CONJUNTAMENTE COM A REGRA DISPOSTA NO ARTIGO 196 DA CF-88. PRESUNÇÃO DE CARÊNCIA ECONÔMICA NÃO AFASTADA.

1. A agravada é pessoa carente de recursos e portadora de Hipertensão e Obesidade Mórbida, necessitando ser submetida a procedimento cirúrgico que deve ser custeado pelo Município de Estrela e pelo Estado uma vez que implementados os requisitos postos na legislação de regência. Superdireito à saúde que deve prevalecer sobre os princípios orçamentários e financeiros esgrimidos na defesa pelo ente público. Ausência de afronta aos princípios da independência e autonomia dos Poderes.

2. Dever de assistência familiar que deve ser interpretado conjuntamente com a regra disposta no artigo 196 da CF-88. Na hipótese dos autos, a agravada está sendo representada pela Defensoria Pública, órgão do Estado, que antes mesmo da prestação da assistência jurídica, realiza triagem acerca das condições financeiras das pessoas que buscam o serviço, com o objetivo de oportunizar o acesso aos realmente necessitados. O fato de existir o dever de assistência da família não exclui o direito de obter dos entes públicos o atendimento à saúde. Presunção de carência econômica não afastada.

AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR.
(Agravo de Instrumento nº 70028718393, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson Antônio Monteiro Pacheco, julgado em 30.04.2009)

Depois, por questões óbvias, não há necessidade de o Estado fornecer o medicamento através de seu nome comercial, mas, sim, medicamento correspondente às necessidades do apelado.

A utilização do nome comercial corresponde a mera irregularidade, que se supera com a faculdade do ente público fornecer o genérico.

No particular, permito-me transcrever parte da ementa da AC n. 70033071887, da lavra do Eminente Des. FRANCISCO JOSÉ MOESCH:

“(...) 3. A indicação dos remédios por meio de seu nome comercial constitui-se em mera irregularidade, mostrando-se possível ao ente público a identificação segundo a Denominação Comum Brasileira".

  Como lembra julgado, cabe ao Município e ao Estado, que tem condições para isso, quando da aquisição, guiar-se pelo medicamento genérico. A referência, pela sentença, ao nome comercial, há de ser entendida em termos. É dizer, não interfere com a obviedade de a condenação alcançar determinado fármaco e não seu nome comercial (AC n. 70033863341, RUI PORTANOVA).

No que se refere ao bloqueio de valores, perfeitamente possível sua efetivação correspondente ao custeio do tratamento necessário, em conta bancária do Município ou do Estado, pois tal medida garante a efetividade das decisões judiciais, ainda mais em se tratando de garantia do direito à saúde.

É legal, na forma do art. 461, § 5º, do CPC, a determinação judicial de bloqueio de valores que guardem correlação aos valores necessários ao custeio do tratamento, não havendo qualquer violação ao comando contido no art. 100, da CF/88, devendo ser levada em consideração a garantia constitucional do direito à vida insculpida no art. 196 da Carta Magna.

Nesse sentido os seguintes precedentes: AI n.º 70032775702, Rel. Francisco José Moesch, j. em 20.01.2010; AI n.º 70033907262, Rel. Denise Oliveira Cezar, j. em 15.12.2009; AI n.º 70031160625, Rel. Matilde Chabar Maia, j. em 03.12.2009; e AI Nº 70027810761, Rel. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, j. em 05.12.2008.

A justificar, por conseguinte, a manutenção da decisão, que determina o fornecimento do medicamento LONIUM 40mg (BROMETO DE OTILÔNIO), considerando ser a parte autora portadora de patologia classificada na CID 10 K57.9.

Entretanto, assiste razão ao Município no que se refere à condenação nas custas processuais, observada a hipótese concreta.

Há de se registrar ter sido a demanda proposta em 13.09.2010, após a vigência da Lei Estadual nº 13.471/10, publicada no DOE de 24.06.10.

Por conseguinte, há de se respeitar a isenção total de custas, despesas processuais e emolumentos, como previsto na nova redação do artigo 11, caput, Lei Estadual nº 8.121/85 (Regimento de Custas).

Anoto inexistir qualquer hipótese de reembolso, até por litigar a parte autora com assistência judiciária.

Isso posto, estou provendo, em parte, o apelo do Município e desprovendo o recurso do Estado do Rio Grande do Sul.

 Des. Francisco José Moesch (REVISOR) - De acordo com o Relator.
Des. Genaro José Baroni Borges - De acordo com o Relator.
DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA - Presidente - Apelação Cível nº 70043695832, Comarca de Tupanciretã: "PROVERAM, EM PARTE, A APELAÇÃO DO MUNICÍPIO E DESPROVERAM A APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. UNÂNIME."

 Julgador(a) de 1º Grau: LYNN FRANCIS DRESSLER SOARES

  
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