25 de jan. de 2014

DA REVOGAÇÃO DA DOAÇÃO





– PEDRO LUSO DE CARVALHO


No artigo que escrevemos sobre o Instituto da Doação, que se encontra publicado neste Blog (Gazeta do Direito), não abordamos o tema referente à sua revogação, na forma disposta pelos artigos 555 a 564, I a IV, do Código Civil. Nesse trabalho fizemos alusão ao conceito da doação, consoante dispõe o art. 538: “Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”. Agora, que o tema é a revogação da doação, temos que começar pelo art. 555 do Código Civil: “A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo”.
É evidente que legislador não poderia ter deixado de regular a revogação da doação, já que se trata de ato de liberalidade do doador, seja ela pura ou onerosa; essa revogação se dá nos casos em que o donatário deixe de se mostrar merecedor do benefício a ele concedido, e que, ao contrário, venha praticar ato que possa prejudicar a quem contribuiu para aumentar o seu patrimônio; nesses casos, em que se configurar a ingratidão, o doador terá o respaldo do art. 557 para proceder à revogação do seu ato de liberalidade, o mesmo ocorrendo quando se configurar a inexecução do encargo.
É importante realçar, que, se constar em contrato particular ou em escritura pública de doação, que o doador renuncia ao direito de revogar a doação, antecipadamente, por ingratidão do donatário, tal cláusula de renúncia a esse direito de revogar o referido ato é ineficaz, por haver previsão legal nesse sentido, expressa no art. 556 do Código Civil. Sendo assim, é de ser desconsiderada a cláusula que pretensamente retire o direito de renunciar do doador, de forma antecipada; é direito do doador revogar a doação desde que fique configurada a ingratidão do donatário.
O inciso I, do art. 557, diz que a revogação da doação pode ser feita nos casos em que o donatário atente contra a vida do doador, ou contra ele cometa crime de homicídio doloso. Não fosse assim, em muitos casos este ou aquele doador poderia correr risco de vida se o donatário, com deformação de caráter ou doença mental, não se dispusesse a esperar pela sua morte natural e procurasse abreviar a transferência dos bens para o seu patrimônio (do beneficiário), atentando contra a vida de quem concedeu essa liberalidade.
Também em casos com menor grau ofensivo, como o da ofensa física contra o doador, pode ocorrer à revogação da doação, como prevê o inciso II, do art. 557; o que fez bem o legislador, pois não se poderia admitir que, quem tenha recebido o benefício da doação, vendo aumentar o seu patrimônio com a transferência de bens ou vantagens do patrimônio de quem o escolhe para ser seu beneficiário, em detrimento do seu próprio empobrecimento, contra ele viesse praticar qualquer tipo de maldade, muito menos a ofensa física, crime reprovável em qualquer relacionamento entre as pessoas, e, muito mais, quando se tratar de ofensa ao doador pelo donatário.
O crime de injúria grave ou de calúnia, cometido pelo donatário contra o doador, é suficiente para justificar a revogação da doação, pela sua obviedade; se não o fosse, seria um contrassenso beneficiar alguém com a transferência de bens para o seu patrimônio depois de o beneficiário ter cometido tais crimes contra a pessoa que lhe demonstrou ser solidária com o seu ato de liberalidade. Portanto, sendo o doador injuriado gravemente ou sendo caluniado pelo donatário, o inciso III, do art. 557 dá ao doador o direito de revogar a doação; e não seria compreensível que esse ato de liberalidade para com o donatário não pudesse ser revertido, à vista de tais crimes, que o tornaria indigno da concessão da doação.
Também nos casos em que o donatário possa ter condições financeiras de prestar sua ajuda alimentar ao doador, que esteja encontrando dificuldades para prover a sua subsistência, e que, nesse caso, negue-se a alcançar os alimentos a quem o beneficiou com bens e vantagens que retirou de seu patrimônio para seu enriquecimento, e, demonstrando, com a negativa desse auxílio alimentício, indigno do recebimento do que lhe foi contemplado pelo ato da doação; nesse caso, o doador poderá socorrer-se do que estabelece o inciso IV, do art. 557, para revogar o benefício.
No que diz respeito à revogação da doação pelos motivos contidos no art. 557, incisos I, II, II e IV, do Código Civil, estatui o seu art. 558 que, nesses casos de ofensas, consideram-se ofendidos não apenas o doador, mas também, quando o ofendido for o seu cônjuge, seus ascendentes e descendentes estes considerados filhos naturais ou adotivos, e, ainda, irmãos do doador. Daí a importância para o ato de ingratidão do donatário, que foi tratado adequadamente pelo legislador, possibilitando a reversão do ato de liberalidade.
O art. 559 estabelece o prazo de um ano para que o doador promova contra o donatário ação para pedir a revogação da doação, por qualquer um desses motivos; quanto ao início da contagem do prazo de prescrição desse direito, é o do dia em que o doador tome conhecimento do fato que autorize a revogação de sua liberalidade, com a prova de que o donatário foi o autor de ato vedado pelo Código Civil [Seção II - Da Revogação da Doação], que pode resultar na revogação da doação.
Também há previsão legal no que tange à não transmissibilidade do direito de revogação aos herdeiros do doador (art.560). Mas, tendo sido ajuizada ação de revogação pelo doador, seus herdeiros podem prosseguir na ação contra o donatário; falecido este, enquanto tramita a ação, o feito prossegue contra os seus herdeiros (do donatário). Fica claro, pois, que os herdeiros do donatário não podem ser prejudicados com a ação de revogação da doação ajuizada após a morte do doador, por seus herdeiros, por óbice legal. Como disse, podem prosseguir contra o donatário ou seus herdeiros, na ação ajuizada pelo doador, que falece quando a ação já se encontra tramitando.
A regra da não transmissibilidade do direito de revogação pelos herdeiros do doador (art. 560) tem como exceção o estatuído pelo art. 561. E não poderia ser diferente, uma vez que um dos motivos que enseja o direito de ser pleiteada a revogação por ingratidão, é o crime de homicídio doloso, praticado pelo donatário contra o doador. Morto este, somente seus herdeiros podem requerer a revogação da doação, desde que não fique provado o perdão pelo crime.
No que tange à doação onerosa com previsão de prazo para a execução do encargo, o doador pode pedir a revogação da doação com base na sua inexecução, estando em mora o donatário (art. 562). E, inexistindo prazo para o cumprimento do encargo, compete ao doador ajuizar notificação contra o donatário, pedindo que, dentro do prazo fixado pelo notificante, seja cumprida a obrigação; não executando o encargo pelo donatário dentro do prazo fixado, o doador poderá pleitear, então, a revogação da doação.
No tocante aos direitos adquiridos por terceiros, estes não são prejudicados pela revogação por ingratidão, da mesma forma que não obriga a restituição dos frutos percebidos pelo donatário, antes de ter sido citado para apresentar resposta ao autor da ação de revogação (art. 563); mas terá de pagar os frutos posteriores à sua citação; também estará obrigado a restituir em espécie as coisas que foram objeto da doação, ou a indenizar o doador pelo meio termo de seu valor, caso não tenha meios de restituí-las.
Não podem, no entanto, ser objeto de ação de revogação as seguintes doações: as puramente remuneratórias, as liberalidades com encargos que já foram cumpridos, as que se fizerem em cumprimento de obrigação natural e as feitas para determinados casamentos, na forma prevista pelo art. 564, incisos I, II, III e IV, do Código Civil.


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