18 de nov. de 2014

INDENIZAÇÃO – Do Enriquecimento Sem Causa




  – PEDRO LUSO DE CARVALHO

A Segunda Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina julgou, em 24 de maio de 2012, a Apelação Cível n. 2011.002761-5, recurso que foi interposto no foro de origem, Comarca de Videira, tendo por Relator o Des. Gilberto Gomes de Oliveira.
No corpo do v. Acórdão consta a referência feita pelo Des. Relator sobre enriquecimento sem causa, mencionado o meu nome – Pedro Luso de Carvalho – entre outros autores, cuja matéria foi publicada no blog GAZETA DO DIREITO.
Segue na íntegra o referido acórdão:

Apelação Cível nº 2011.002761-5, de Videira.
Relator: Des. Gilberto Gomes de Oliveira
DANOS MORAIS E MATERIAS. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. ART. 884 DO CC/2002. PRESSUPOSTOS. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO VERSUS EMPOBRECIMENTO CONSEQUENTE. NECESSIDADE. REQUISITOS NÃO DEMONSTRADOS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.
A vedação do enriquecimento sem causa sempre foi um princípio no nosso sistema jurídico, e era representado pelas ações de postulação do pagamento indevido (exemplo dos arts. 966 e seguintes do CC/1916), por meio das quais se buscava a reversão do enriquecimento versus o empobrecimento sem causa. Diz-se que era dispensável a previsão expressa de tal vedação no ordenamento jurídico porque a equidade - aí, a equidade patrimonial - nas relações já era fundamento suficiente para evitar ou curar este mal social. Modernamente, no entanto, esta cláusula geral tem cadiz legal, com expressa previsão no art. 884, do Código Civil, e se apresenta como uma verdadeira fonte de obrigação. Por se tratar de cláusula geral, a sua abrangência não tem fronteiras marcadas; do contrário, a falta de especificidade do instituto permite - e mesmo obriga - que o magistrado aprecie o enriquecimento sem causa a partir das situações concretas que lhe são postas à apreciação. Neste passo, por ser uma cláusula geral, permite que a legislação transite pelos mais variados acontecimentos humanos e sociais, independentemente do momento histórico vivido, já que dá espaço à inserção de elementos de valoração no conteúdo da lei - ao revés do sistema hermético do Código de 1916 - o que mais condiz com as constantes mutações que sofrem os relacionamentos humanos no espectro social. No entanto, o reconhecimento do enriquecimento ilícito pressupõe, a saber: a) enriquecimento de alguém; b) que esse enriquecimento ocorra à custa de outrem; c) inexistência de causa jurídica para o enriquecimento. Neste passo, inexistindo nos autos prova da retenção de valores pela parte demandada; de revés, havendo prova da entrega destes valores a quem a demanda, espaço para a pretendida indenização não há.
RECURSO NÃO PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 2011.002761-5, da comarca de Videira (1ª Vara Cível), em que é apelante Reginaldo Alves Belusso, e apelado Henriqueta Alves Belusso:
A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar provimento a ele, nos termos do voto do relator. Custas legais.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Trindade dos Santos, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Luiz Carlos Freyesleben.
Florianópolis, 24 de maio de 2012.
Gilberto Gomes de Oliveira
Relator

RELATÓRIO
Reginaldo Alves Belusso aforou, na comarca de Videira, 'ação de indenização por locupletamento ilícito' contra Henriqueta Alves Belusso.
Conta que seu pai faleceu quando ele contava nove anos de idade, vítima de acidente de trabalho, quando labutava para a empresa VT Engenharia e Construções LTDA., razão por que ele, duas irmãs e a mãe (demandada), aforaram ação de indenização em face daquela pessoa jurídica. Discorre que os pedidos foram julgados procedentes e as partes, posteriormente, firmaram acordo, de modo que: o valor da indenização seria paga em 12 parcelas de R$ 12.000,00 (doze mil reais) cada, e uma última de R$ 10.000,00 (dez mil reais); 70% da indenização seria paga a Henriqueta Belusso, para ser distribuída entre todos os suplicantes; 30% ficaria retido a título de honorários contratuais e sucumbenciais. Refere que a demandada recebeu os valores mas não repassou ao demandante aquele que lhe cabia por força da indenização (1/4 dos 70% da indenização global). Entende que a retenção do valor perfaz enriquecimento sem causa de sua mãe.
Pugna a condenação da demandada ao pagamento de R$ 38.819,67 (trinta e oito mil e oitocentos e dezenove reais e sessenta e sete centavos).
Citada, a demandada contestou a inicial. Aduz em sua defesa que depois da realização do acordo na ação indenizatória, a família fez uma reunião, onde foi feita a divisão dos valores recebidos por força da indenização. Discorre que, do valor global da indenização, de R$ 154.000,00, R$ 46.200,00 ficaram para o advogado (honorários contratuais e sucumbenciais); R$ 20.000,00 foram pagos a quatro filhos que não fizeram parte da demanda (R$ 5.000,00 para cada qual); os R$ 87.800,00 que restaram foram divididos entre a demandada e os três filhos que figuraram como autores na ação (R$ 43.900,00 para a demandada e R$ 14.633,00 para os três filhos). Defende que nada deve para o demandante, pois que ele recebeu o valor na forma de uma casa para morar. Dito isto, ela adquiriu o lote e construiu uma casa sobre ele, entregando para o demandante, que não recebeu o bem e foi por ele posteriormente vendido. Conta que, então, construiu uma outra casa e entregou para o demandante, a qual foi também vendida por ele. Assere que o demandante vendeu as duas casas e recebeu por elas, razão pela qual nada mais há para postular.
Pugna a improcedência do pedido.
Réplica (fls. 56-60).
Após a instrução do feito, o magistrado proferiu sentença, assim vertido o seu dispositivo:
Ante o exposto, com fulcro no art. 269, I do CPC, julgo improcedente o pedido formulado por Reginaldo Alves Belusso contra Henriqueta Alves Belusso. Por consequência, condeno o requerente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da parte adversa, estes fixados em R$ 510,00, ex vi o art. 20 parágrafo 4 do CPC, observado entretanto o disposto nos artigos 12 da Lei 1.060/50. Publicada em audiência. Intimados os presentes. Registre-se. Transitado em julgado, arquivem-se. Nada mais.
O demandante apelou. Trouxe em seu socorro o argumento de que, embora a demandada tivesse recebido os valores referentes à indenização, não repassou a quota parte para o demandante, ao revés do que entendeu a sentença. Refere que a alegação de que os pagamentos foram feitos na forma da entrega de duas casas não se comprovou, tanto assim que escritura alguma há nos autos a dar respaldo à tese. Refere que também nunca concordou com o dito acordo feito em família para a divisão dos bens. Diz que uma das casas ficou com sua irmã Nair.
Pugnou a reforma da sentença para dar-se a improcedência dos pedidos.
Contrarrazões (fls. 121-132).
Ascenderam os autos.
Este é o relatório.

VOTO
Trata-se de indenização de danos morais e materiais por locupletamento ilícito.
Segundo se colhe das afirmações da exordial, o demandante figurou, juntamente com sua mãe (a demandada) e dois irmãos, como autor em uma ação indenizatória por morte de seu pai, contra VT Engenharia e Construções Ltda, que culminou com a condenação desta empresa ao pagamento de R$ 154.000,00, 70% dos quais seriam recebidos pela ora demandada e posteriormente distribuídos de forma igualitária entre os autores da ação compensatória.
Ocorre que a demandada não repassou os valores, conforme acordado entre os filhos, retendo o valor e causando prejuízos ao demandante, já que, ao lado do enriquecimento sem causa da demandada, ocorreu o empobrecimento indevido dele.
Pois bem! O enriquecimento sem causa vem modernamente codificado. E isto se encontra no art. 884 do CC/2002, cujo dispositivo prevê que "aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários".
A vedação do enriquecimento sem causa sempre foi um princípio no nosso sistema jurídico, e era representado, no sistema jurídico civil anterior, pelas ações de postulação do pagamento indevido (exemplo dos arts. 966 e seguintes do CC/1916), por meio das quais se buscava a reversão do enriquecimento versus o empobrecimento sem causa. Dizia-se que era dispensável a previsão expressa de tal vedação no ordenameto jurídico porque a equidade - aí, a equidade patrimonial - nas relações já era fundamento suficiente para evitar este mal social.
Clovis Beviláqua, o autor do Código Civil de 1916, justificou o pensamento a partir da idéia de que "por mais que variemos as hipóteses, veremos que o direito e a equidade se podem plenamente satisfazer, sem criarmos, nos Códigos Civis, mais esta figura de causa geradora de obrigação, ou seja uma relação obrigacional abstrata e genérica" (In Direito das Obrigações, cit., p. 100).
Modernamente, no entanto, esta cláusula geral tem cadiz legal, com expressa previsão no art. 884, do Código Civil, acima transcrita, e se apresenta como uma fonte de obrigação, com um capítulo especialmente dedicado a ela. Por se tratar de cláusula geral, a sua abrangência não tem fronteiras marcadas, do contrário, a falta de especificidade do instituto permite - e mesmo obriga - que o magistrado aprecie o enriquecimento sem causa a partir das situações concretas que lhe são postas à apreciação.
Neste passo, por ser uma cláusula geral, permite que a legislação transite pelos mais variados acontecimentos humanos e sociais, independentemente do momento histórico vivido, já que enseja a inserção de elementos de valoração no conteúdo da lei - ao revés do sistema hermético do Código de 1916 - o que mais condiz com as constantes mutações que sofrem os relacionamentos humanos no espectro social.
A doutrina comenta acerca do tema:
Enriquecimento sem causa, enriquecimento ilícito ou locupletamento ilícito é o acréscimo de bens que se verifica no patrimônio de um sujeito, em detrimento de outrem, sem que para isso tenha um fundamento jurídico (FRANÇA, R. Limongi. Enriquecimento sem Causa. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1987).
Ainda:
A pessoa física ou jurídica que enriquecer sem justa causa, em razão de negócio jurídico realizado, dará ensejo ao lesado a ajuizar ação visando à restituição do valor recebido indevidamente, atualizado monetariamente (CARVALHO, Pedro Luso de. Disponível em http://pedroluso.blogspot.com.br/2007/11/do-enriquecimento-sem-causa.html as 13:23, acessado em 11-5-2012, às 16:18 h).
Dito isto, há um relativo consenso no sentido de que os pressupostos constitutivos do instituto seriam: a) enriquecimento de alguém; b) que esse enriquecimento ocorra à custa de outrem; c) inexistência de causa jurídica para o enriquecimento.
Tudo isto em mente, e depois de bem estudado o caso em concreto, tenho que falta, à caracterização do nefasto instituto, no caso posto à luz, tanto o enriquecimento da demandada, quanto o empobrecimento do demandante, o que fulmina a pretensão exordial.
Isso, porque, das provas colacionadas aos autos, verifica-se quantum satis que a demandada, ao revés do que pretende fazer crer o demandante, não reteve os valores da indenização recebida por força da morte de seu marido - cujos valores seriam rateados entre os filhos e ela própria. Do contrário, ressai, com suficiente força probatória, que ela entregou os valores que cabiam ao demandante na forma de uma casa com um terreno.
Primeiro de tudo, vejo que, no acordo, ficou estipulado que a demandada receberia o valor indenizatório e, ao depois, a distribuição entre os credores seria feita de acordo com o que eles estipulassem.
Veja-se que é exatamente o que diz o termo de composição de fl. 26:
De cada parcela recebida, 70% (setenta por cento) será paga a Henriqueta Alves Belusso, mãe de Sandra, Reginaldo e Solange. Estes autorizam àquela a receber o aludido valor, inclusive em nome deles, para depois, promover a respectiva divisão, conforme acordarem entre eles.
Desta previsão, desde logo, uma certeza ressai, qual seja, a de que a alegação de igualdade nas quotas sequer foi estabelecida no acordo firmado entre os credores, tanto assim que deixaram expressamente para momento posterior a referida distribuição.
Neste passo, é imperioso afirmar que, segundo aduz a demandada, a família toda se reuniu para efetuar a divisão do patrimônio comum - a indenização recebida. Com força nisto, acordaram que, embora quatro irmãos não tivessem feito parte da ação indenizatória (os irmãos maiores à época do falecimento), seriam eles agraciados com parte do valor, até como forma de respeito à eqüidade dentro das relações familiares.
Assim, o valor seria rateado da seguinte forma: o valor global da indenização era R$ 154.000,00. Deste montante, R$ 46.200,00 ficaram para o advogado (honorários contratuais e sucumbenciais); R$ 20.000,00 foram pagos aos quatro filhos que não fizeram parte da demanda (R$ 5.000,00 para cada qual); R$ 87.800,00 que restaram foram divididos entre a demandada e os três filhos que figuraram como autores na ação (R$ 43.900,00 para a demandada e R$ 14.633,00 para cada filho).
O demandante contesta esta ocorrência, dizendo que esta reunião nunca ocorreu e, com base nesta formação, pretende receber o valor do rateio de R$ 87.800,00 entre os demandantes da ação, ou seja, ele, sua mãe e dois irmãos, o que representaria R$ 26.950,00.
Ocorre que a prova amealhada conforta as argumentações obstativas da contestação, não assim as alegações da exordial. Isso porque as testemunhas foram uníssonas em afirmar que o demandado recebeu um terreno com a edificação de uma casa, de sua mãe. Ocorre que, não agradou-se desta forma de pagamento e enjeitou o bem, em face do que sua mãe edificou mais uma casa no local, a qual também foi rejeitada pelo demandante, razão pela qual, segundo alega a demandada, vendeu os dois bens por R$ 14.000,00 e recebeu pessoalmente os valores.
A prova oral desenhou algo perto deste cenário. Para tanto, a testemunha Edson Zanon deixou bem claro em seu depoimento que o demandante recebeu uma casa da demandada, não quis ficar com ela e vendeu para a irmã do depoente, quem seja, Marilda Zanon, pelo preço de R$ 14.000,00. No mesmo depoimento, esta testemunha esclareceu que o demandante, após enjeitar a casa referida, recebeu outra casa de sua mãe e esta também vendeu, só que agora para o próprio depoente, também pelo valor de R$ 14.000,00. Disse a testemunha, ainda, que quem construiu as duas casas foi a própria demandada, com o intuito específico de dar ao demandante.
Estas informações foram todas corroboradas pelo depoimento pessoal da demandada, justificando ela que apenas não deu ao filho os valores, em espécie, porque temia que ele se desfizesse, já que propenso a dilapidar patrimônio.
No mesmo caminho vão os depoimentos dos informantes, Solange Alves Belusso e Valcir Belusso, irmãos do demandante - Solange que também foi autora da ação em face da Construtora que foi demandada na ação de indenização.
Como vimos de ver, o demandante, ao vender as duas casas, recebeu por elas o valor de R$ 28.000,00, ou seja, no resumo de tudo, recebeu mais pelas duas vendas do que se tivesse recebido os valores originais, que ele pleiteia por meio desta demanda.
Mesmo que a testemunha Solange tenha afirmado em seu depoimento que ele teria vendido apenas uma das casas por R$ 14.000,00 e a outra teria ficado para uma irmã de nome Nair, verdade é que, somente com a venda da casa por R$ 14.000,00, o demandante já teria quase atingido o valor a que teria direito por força do acordo (R$ 14.633,00). E, para sedimentar a questão é bom que se lembre que a mãe do demandante, quando adquiriu o terreno, o fez por R$ 12.000,00 (doze mil reais) e ainda arcou com a construção da casa, para o que dispendeu, por evidente, valor que excedeu o valor que o demandante cobrou pela referida venda.
Se a sua mãe pagou pelo terreno o valor de R$ 12.000,00, e ainda dispendeu numerário para a construção da casa para ele morar, conforme provas de fls. 48-49 e 51-52 e mais as fotografias das casas (fls. 50 e 53), evidente que integrou ao patrimônio do demandante até mesmo mais do que lhe cabia pelo acordo que ele defende como correto.
A situação toda se apresenta verossímil no sentido de que a demandada desincumbiu-se de sua obrigação de repasse dos valores para o demandante, especialmente porque nenhum dos demais filhos apresentou qualquer insurgência quanto a esta situação; do contrário, a filha Solange atestou expressamente que recebeu os valores de sua mãe, assim como o outro irmão, de nome Valcir, tanto que eles permanecem com seus bens recebidos.
Diante deste quadro, entendo por manter a sentença de improcedência, já que não houve o alegado enriquecimento ilícito da mãe do demandante, posto que ela repassou, ainda que não em espécie, os valores a que se obrigou por força do acordo realizado entre as partes.
Se ele dilapidou o patrimônio recebido, isto é coisa que não faz renascer, para a sua mãe, a obrigação de entregar os valores do acordo. Trata-se de descuido com o patrimônio, que não pode ser tutelado pelo Estado como ato ilícito da mãe.
Este é o voto.

Gabinete Des. Gilberto Gomes de Oliveira

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