– PEDRO LUSO DE CARVALHO
É loucura opinar acerca do verdadeiro e do falso de acordo unicamente
com a razão, escreve Michel de Montaigne, nos seus Ensaios. Para o filósofo
francês, a facilidade com que certas pessoas acreditam e se deixam persuadir
deve-se à simplicidade e à ignorância, pois, para ele, acreditar é o resultado
de uma espécie de impressão sobre nossa alma. E vaticina: “Quanto mais a alma é
vazia e nada têm como contrapeso, tanto mais ela cede facilmente à carga das
primeiras impressões”.
Quer dizer, com isso, que somos levados pela sugestão, com mais
facilidade, quanto mais tenra for a resistência de cada um, como ocorre com as
crianças, com os enfermos, com mulheres e homens com pouco esclarecimento,
pouco ilustrados. "É tola a presunção de desdenhar e condenar como falso –
diz Montaigne – tudo o que não nos parece verossímil, defeito comum aos que
estimam ser mais dotados de razão que o homem normal".
O filósofo diz que a razão lhe impeliu a reconhecer que “condenar uma
coisa de maneira absoluta é ultrapassar os limites que podem atingir a vontade
de Deus e a força de nossa mãe, a natureza”. Para ele, reduzir essa vontade e
essa força à medida da capacidade e da inteligência é o maior sintoma de
loucura. Quer ele dizer com isso que a razão não se presta para todos os nossos
julgamentos, ao asseverar: “Chamemos ou não monstros ou milagres às coisas que
não podemos explicar, não se apresentarão elas em menor número à nossa vista”.
E que consideramos naturais esses casos, nos quais a razão torna-se impotente,
mais por hábito do que pela ciência.
Montaigne escreve que somos incitados a procurar a origem de uma coisa,
mais pela novidade do que pela sua importância, e que “o infinito poder da
natureza deve ser julgado com mais deferência e tendo em conta nossa
ignorância”. E faz alusão sobre as coisas pouco verossímeis que ouvimos de
pessoas dignas de fé; e que devemos ser mais prudentes nos nossos julgamentos.
E acrescenta que se não somos convencidos do que ouvimos não devemos nos
vangloriar disso, ou seja, de considerar as afirmações feitas impossíveis, para
não cairmos numa presunção exagerada. (In,
Michel Montaigne, Ensaios, Livro I,
tradução de Sérgio Milliet, Editora Globo, Porto Alegre, 1961, págs. 240/241).
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