26 de dez. de 2011

PROVA TESTEMUNHAL – Do Impedimento da Testemunha

Tribunal de Justiça do Estado de Roraima



              por  Pedro Luso de Carvalho



        O propósito não é abordar a prova testemunhal no seu todo, como se encontra disposto no art. 405, seus parágrafos e números, do Código de Processo Civil, mas apenas a parte que trata do IMPEDIMENTO de a testemunha prestar depoimento. Isso porque uma juíza leiga, de uma das varas cíveis do Juizado Especial Cível, da Comarca de Porto Alegre, prolatou sentença, neste mês de dezembro de 2011, indeferindo o pedido do autor, nos autos do processo de uma ação indenizatória por dano moral, ajuizada por um advogado que litiga em causa própria, sob o fundamento de que este não apresentou provas suficientes para que seu pedido fosse atendido. 

        No presente caso, o autor muniu-se de prova testemunhal, adequada ao fim a que se propunha: provar, por esse meio, que os fatos narrados na petição inicial são verídicos. Para surpresa do autor, a juíza leiga disse, na abertura da audiência, que não aceitaria o depoimento da pessoa arrolada, “porque esta pessoa tem vínculos com o autor”, no seu entender; enfatisou que o advogado-autor patrocina uma causa na qual a testemunha é parte. Por isso, a juíza leiga declarou-a impedida, e passou a ouví-la como mera informante, em desatenção ao que prescreve o art. 405, do Código de Processo Civil.

         A propósito, estatui § 2º do art. 405, do Código de Processo Civil:

      Art. 405. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973)

        § 2o. São impedidos: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

        I - o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consangüinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público, ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova, que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

         II - o que é parte na causa; (Incluído pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

      III - o que intervém em nome de uma parte, como o tutor na causa do menor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros, que assistam ou tenham assistido as partes. (Incluído pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973). 

        Portanto, é possível que a juíza leiga tenha entendido que se aplica ao caso sob julgamento o nº II, § 2º, do art. 405. Pelo fundamento dado à sentença, é bem provável que essa foi a sua interpretação. Interpretação, aliás, alheia aos princípios da hermenêutica, já que o nº II dispõe que, dentre os IMPEDIDOS, estão as partes da causa (II - o que é parte na causa); caso tenha sido esse o motivo, a juíza demonstra desconhecer que esse dispositivo não alcança terceiros (a testemunha é parte em outra ação; terceiro, portanto, no que respeita ao feito para o qual foi arrolada como testemunha).  

        Sobre testemunhas IMPEDIDAS, diz RAPHAEL CIRIGLIANO : “Impedidas. E assim as impedidas, vêm os loucos de todo o gênero, os cegos e surdos, quando a ciência do fato dependa do sentido de que carecem, os menores de 16 anos, o interessado no objeto do litígio, o ascendente, descendente ou colateral até o terceiro grau de algumas das partes, por consanguinidade ou afinidade, e os cônjuges”. (Prova Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 318.)

       Ainda, no plano doutrinário, nada mais importante que a lição do respeitável processualista brasileiro, no que respeita a PROVAS, qual seja, MOACYR AMARAL DOS SANTOS (Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed; Rio de Janeiro: Forense, vol . IV, 1977, p. 290-291), como segue:  

       “Há pessoas que embora não sendo partes praticamente se identificam com uma delas e de tal forma que seu depoimento se pode e mesmo se deve considerar como da própria parte. Daí estabelecer-se que que às pessoas que praticamente se identificam com as partes se entenda a incompatibilidade de testemunhar. A tais pessoas, como impedidas de testemunar, se refere o nº III do § 2º do art. 405. São elas que intervém no processo em nome de uma parte, como tutor na causa do menor, o curador na causa do curatelado, o representante legal da pessoa física de direito público ou privado e outros, que assistam ou tenham assistido as partes. Entre esses outros, que assistam ou tenham assistido as partes, se acham os mandatários ad negotia, com poderes especiais, desde que hajam de qualquer forma assistido a parte no processo ou nos preparativos do processo”. (Grifado.)

        Diga-se, que, no caso sob enfoque, a testemunha arrolada pelo advogado-autor, cliente deste em feito distinto, não se enquadra na lição de MOACYR AMARAL DOS SANTOS, como também não pode ser considerada IMPEDIDA de depor, porque, igualmente, não se enquadra no que prescreve o art. 405 (Art. 405. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas); igualmente, não se enquadra no § 2º (§ 2º São impedidos:'); no nº I (I - o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consangüinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público, ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova, que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito); nº II (II - o que é parte na causa - a testemunha é, no caso sob estudo, considerada terceiros); como também não se enquadra no nº III, do CPC (III - o que intervém em nome de uma parte, como o tutor na causa do menor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros, que assistam ou tenham assistido as partes). (Grifos.)

       À vista do vício contido na sentença, o advogado-autor interpôs recurso. Certamento a Superior Instância reformará a sentença, pelo menos no que respeita ao pretenso impedimento da testemunha arrolada – ouvida, erroneamente, como mero informante. Aliás, outra decisão não se pode esperar da egrégia Turma Recursal, uma vez que, como preleciona ELIÉZER ROSA (Dicionário de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Bushatsky, 1973, p. 419), TESTEMUNHA é terceiro auxiliar da justiça, embora seja indicada pelas partes. A testemunha é terceiro, isto é, pessoa diversa das partes em causa. É chamada a declarar perante o juiz sobre aquilo que sabe em torno dos fatos da causa

        É, pois, de lastimar-se que, a juíza leiga, que proferiu sentença indeferindo o pedido do advogado-autor, não saiba interpretar o nº II, do § 2º do art. 405, do CPC. Está suficientemente claro que a testemunha, mesmo sendo cliente do advogado-autor pode depor a seu favor, por fatos dos quais tem conhecimento; isso porque, como já foi esplanado acima, a testemunha não é parte no feito, mas sim, terceiro em relação a este, o que não o impede de depor mediante compromisso, o que foi ignorado pela julgadora, que, ao fim e ao cabo, sonegou o direito de defesa do litigante.

        E, ao considerar a testemunha impedida, injustamente, a juíza leiga deu uma demonstração cabal de que não está preparada para o exercício do cargo, como é esperado pela sociedade; dos julgadores não se espera apenas a sua imparcialidade, mas, também, elevado saber jurídico; e isso não se contatou, no que tange à juíza leiga, com a prolação da sentença em questão, por ter contrarariado o que dispõe o Código de Processo Civil, no que se relaciona ao IMPEDIMENTO DA TESTEMUNHA, fato esse que contribui para fragilizar o Poder Judiciário, cuja imagem, nos tempos que correm, não é das melhores.  


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